Carta aberta ao arcebispo Dom Jaime Vieira Rocha
2 de Fevereiro, 2021Complexo, arcebispo, é calcular o LOG de 8 na base 2. Complexa é fissão nuclear. Isso que você fez não é complexo. Isso que você fez tem outro nome: homofobia, humilhação, ignorância. Quando você humilha o comunicador por ele ser aparentemente gay você não está fazendo isso porque “o mundo é complexo”. Vamos usar as palavras corretas. Você está fazendo isso porque o mundo é preconceituoso e porque você – a despeito de estar numa empresa cheia de gays não assumidos – é cúmplice desse preconceito. Você está fazendo isso porque, a despeito do discurso cristão, você enxerga o mundo com os olhos de quem tortura e mata homossexuais como esse repórter.
Talvez, “papa” Dom Jaime Vieira Rocha, você nem se dê conta de que você é parte dessa sistema de humilhação e ridicularização dos gays. Talvez você nem se ache homofóbico. Talves você seja um desses que “aceita os gays, o problema é com esses com jeito de mulher”.
O comunicador Ricardo Sérgio só queria que você transmitisse uma mensagem convidando as pessoas para a celebração do – veja a ironia – amor ao próximo. Ricardo é católico fervoroso e voluntário da Pastoral da Comunicação da igreja. Pela felicidade e empolgação dele durante a pergunta a você, talvez o senhor seja até mesmo alguém que ele admire. Ele estava claramente feliz.
A admiração foi retribuída com um tapa na cara. Sua “santidade” possivelmente não faz ideia, porque não se trata de uma coisa que realmente te cause preocupação, mas é extremamante difícil para um profissional gay e pouco masculinizado conseguir uma vaga de repórter na TV. Ricardo teve muita sorte de ter conseguido essa visibilidade, mesmo que apenas como voluntário.
Só que aí, apareceu um “cardeal” no caminho. O personagem principal da reportagem – transmitida ao vivo, ao que parece – decidiu que não daria entrevista, porque estava sendo ridicularizado pela presença do comunicador gay. A revolução não será televisionada, mas a humilhação às vezes é.
Foi preciso a intervenção de outra pessoa para que o senhor topasse dar um depoimento. Até aqui a história era de dar raiva. Mas a empatia que tenho por Ricardo me faz agora ter vontade de chorar, patriarca. Ele, com certeza despedaçado por dentro, mas plenamente ciente de que o “problema” era a própria existência, ainda foi profissional o bastante para te perguntar se você queria dar a entrevista sozinho. Você topou e ainda repetiu duas vezes, para deixar claro: “sozinho, sozinho”.
O que Ricardo sentiu, “bispo” Jaime, só entende quem já foi vítima desse tipo de racismo e de homofobia. Esse tipo de preconceito que não faz sangrar, mas corta. Que não deixa marcas, mas machuca para sempre. Você não percebeu, “padre” Jaime (como poderia?), mas Ricardo chorou por dentro. Chorou no carro, na volta pra casa. E, quando deitou a cabeça no travesseiro, possivelmente chorou também de molhar a cama. Eu choraria. Eu tenho vontade de chorar agora.
Mas, sigamos. Sigamos por não ter outra opção senão a de seguir adiante. Sigamos porque, até 1830, ser gay era punido no Brasil com prisão. E a Igreja Católica era hegemônica. Muita coisa mudou de lá pra cá. Sua igreja, por exemplo, perde espaço para outras religiões – algumas, diga-se de passagem, tão ou mais preconceituosas que a sua instituição. Outra coisa que mudou foi que, apesar do discurso de que o casamento entre pessoas do mesmo sexo destruiria as famílias, já faz 10 anos que o casamento gay foi aprovado no Brasil, e as bichas ainda não foram fulminadas pelo fogo divino.
Sigamos, porque seguir é regra, determinada por uma dessas leis existenciais que fogem ao nosso entendimento.
Você, “diácono”, é um clichê. E merece ser tratado como tal:
Você e sua pequenez passarão. A humanidade – e, surpresa!, os gays também são humanos – passarinho.
Jan Penalva