Fraudes em autodeclarações prejudicam presença de negros nas esferas de poder
17 de Novembro, 2022Quem olha o registro da autodeclaração dos políticos no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode ficar com a impressão de que os negros estarão bem representados no Congresso Nacional. A bancada de deputados federais da Bahia, por exemplo, terá, na próxima legislatura, metade de parlamentares autodeclarados como pardos ou pretos. Mas os números podem enganar o observador menos atento.
Há dois anos, o TSE obrigou que os partidos políticos dividiam proporcionalmente recursos do fundo eleitoral entre candidatos negros. A imposição passou a valer a partir da eleição deste ano. A medida visou ampliar o número de pessoas pardas e pretas nos poderes Executivo e Legislativo. Entretanto, quando olhamos os dados da Justiça Eleitoral com cautela, percebemos que muitos atores políticos trocaram no registro a cor da pele para se beneficiar do fundo.
Na Bahia, cinco deputados reeleitos alteraram a autodeclaração entre a eleição de 2018 e o pleito deste ano. Félix Mendonça (PDT), Elmar Nascimento (União), Cláudio Cajado (PP), Alice Portugal (PCdoB) e José Rocha (PL), que se autodefiniram como brancos na corrida eleitoral de quatro anos atrás, se registraram como pardos nesta eleição. Eles rechaçam a ideia de que a mudança da cor da pele teve como objetivo ganhar mais dinheiro para a campanha. A comunista justificou que se considera parda porque é filha de uma costureira branca e um homem mestiço baiano.
O certo é que, com essas burlas, os candidatos que realmente deveriam ser contemplados com o fundo eleitoral acabam prejudicados. A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) defende que o TSE institua uma comissão de verificação das autodeclarações para evitar fraudes. “É importante a gente desenvolver mecanismos que aperfeiçoem a distribuição do recurso, para garantir e validar o critério estabelecido”, disse ela.
Até porque o financiamento é considerado o principal entrave para a eleição de pessoas negras. Em 2014, as candidaturas pretas, pardas e indígenas não alcançaram sequer R$ 100 mil em média, já para as brancas o valor foi de quase R$ 270 mil.
Quatro anos depois, os brancos continuaram a receber o dobro de recursos. O escritor e ativista Hélio Santos ressalta como a fraude de políticas afirmativas atrapalha e diz que o país ainda permanece com baixa representação no Congresso de negros, que realmente sofrem devido à cor da pele.
“O maior contingente populacional é das mulheres negras, 28%. Em tese, nós deveríamos ter 144 deputadas negras. Estamos longe disso. Essa baixa representatividade em larga medida reflete o que acontece conosco”, afirmou ele, durante o programa Roda Viva.
Para ampliar verdadeiramente a representação de negros nas esferas de poder, há quem defenda a criação de cotas raciais. Autores do livro Raça e eleições no Brasil, os cientistas políticos Luiz Augusto Campos e Carlos Machado explicam a relevância desta medida. “Não visam incluir os supostos interesses pré-formados da população negra brasileira, mas possibilitar que político(a)s desse grupo traduzam suas experiências sociais em projetos políticos, processo historicamente obstaculizado pela negação do racismo estrutural brasileiro”, escreveram.
Do Metro1
Foto: Thiago Fagundes/Agência Câmara